Chaves subida I Divisão adeptos na cidade

A memória humana é um atributo fascinante…a capacidade de visualizamos, na mente, vivências passadas com uma clarividência que nos faz pensar estarmos a vivê-las em tempo real, tem o poder de tornar o nosso quotidiano mais ou menos aprazível consoante o grau de satisfação ou tristeza que consigamos extrair delas.

Junho de 1985…tarde calorosa de verão passada entre banhos e “pesca de trutas” no nosso saudoso Açude. Um miúdo, sem consciência do mundo que o rodeava, começa a notar súbitas agitações entre a multidão que ocupava aquele espaço lúdico…estranhava ver adultos com o rádio colado ao ouvido , com o semblante mais ou menos preocupado, e outros dentro dos carros a tentar sintonizar as notícias com o mínimo de estática possível.

De dentro desses objetos falantes, ao miúdo inconsciente, pareciam chegar vozes ofegantes a tentarem relatar “algo” que decorria a um ritmo superior ao das palavras que o procuravam acompanhar…”afinal o que seria aquilo?”, perguntava-se o catraio entre as suas brincadeiras estivais…intrigado, procurou com o olhar o pai, entre o grupo de amigos reunidos à volta do lanche para satisfazer a sua curiosidade, para só aí se aperceber que também o seu “velhote” emanava um misto de sentimentos, entre a ansiedade que rói as unhas, e um olhar repleto de uma esperança inexplicável na altura.

Por entre as conservas que se entrecruzavam pareceu-lhe ouvir uma palavra desconhecida…”golo”…seria bem assim?…mas o que é que aquilo quereria dizer? E porque razão era gritada e despertava tantas reações entre os presentes? Porque é que noutros momentos a plateia parecia mais silenciada e menos eufórica? Afinal o que se estava a passar? Que mundo estaria eu prestes a descobrir?

Tempo para mais uma banhoca…para mais uma sandocha de qualquer coisa que já não me lembro (interessante como nos lembramos cristalinamente de umas coisas e de outras…nada)…para voltar a observar o povo ali reunido. Estranhamente mais calado agora…teria acontecido alguma coisa?

De repente sucessões de gritos…menos espaçados no tempo…e mais festejos…culminados em buzinas desenfreadas e cânticos estranhos…como que a vitoriar algo que desconhecia. Ao longe, o meu velhote a correr na minha direção…eu, agarrado e lançado ao ar, só parei às cavalitas dele, com um sorriso radiante a dizer-me…”o Chaves ganhou!

Sim, hoje já sei porque todos esses acontecimentos desfilaram naquele dia e naquele espaço. Era o dia da mítica primeira subida do GDC à então Primeira Divisão. Mas mais do que isso para mim foi o dia do colocar da semente da paixão de uma vida…e que melhor forma houve de a tratar e alimentar do que as vivências daquele dia.

Obrigado pai por esse dia. Mais do que uma tarde de verão bem passada, tornou-se num ponto de viragem existencial onde começamos a construir a nossa identidade. Onde quer que estejas hoje obrigado por tudo e por isso também…sem ver a tua alegria contagiante e os teus braços abertos na minha direção, muito provavelmente hoje seria só mais “um” entre as maiorias reinantes.

Interessante que já não me lembro do que almocei ontem…enfim…memórias!

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