Baixam as cortinas da Primeira Liga e é tempo de fazer um rescaldo ao que se passou no Desportivo de Chaves, desde a reconstrução do plantel, o começo desolador, a recuperação e o final histórico que ficará para os livros.
O medo de descer, a euforia da invencibilidade, críticas à falta de suor nas camisolas, orgulho eterno em todos os jogadores, um sonho europeu e a história feita no final. Foi assim a esquizofrenia vivida pelos sócios e adeptos do Grupo Desportivo de Chaves esta temporada, onde se viveram todos os sentimentos e mais alguns, numa história com final feliz e uma ligação de aço formada depois de muito sangue, suor e lágrimas entre massa associativa e plantel.
Novo treinador, 15 contratações e uma pré-época brilhante
A abrir a temporada, uma nova equipa técnica foi apresentada no Municipal Eng.º Manuel Branco Teixeira, com o vilarealense Luís Castro a assumir o comando. O seu currículo de larga experiência como coordenador da formação do FC Porto e os bons trabalhos a treinar o Porto B e Rio Ave faziam crer que ali estava o homem ideal para colocar o Chaves no melhor rumo, após uma 2ª volta de campeonato decepcionante.
Luís Castro tinha pela frente um duro trabalho, já que herdou uma equipa flaviense que perdera 14 jogadores do seu plantel, incluindo o ex-capitão Nélson Lenho e os titulares Ponck, Braga, Fábio Martins e Rafael Lopes, entre outros jogadores que não foram tão utilizados. Além disso, também o diretor desportivo José Luís saiu na debandada para a Vila das Aves de alguns elementos vitais do futebol transmontano e para o seu lugar veio Luís Agostinho, com experiência na Académica mas que não tinha as melhores referências por parte dos adeptos da Briosa.
Sem grande parte da espinha dorsal, foi preciso ir buscar praticamente um plantel novo, com um exorbitante número de 15 caras novas a serem apresentadas para a nova época, com destaque para o regresso de Paulinho, a chegada dos emprestados Domingos Duarte e Matheus Pereira, bem como Platiny, Filipe Melo, Rúben Ferreira e os brasileiros “desconhecidos” Furlan, Anderson Conceição, Foguinho, Jefferson e Tiago Galvão. A terminar, Jorginho (emprestado pelo Saint-Étienne) e Wilmar Jordán fecharam o plantel.
Apesar de todas as novas contratações e de alguns nomes desconhecidos para o adepto flaviense, a pré-época augurava um campeonato de qualidade por parte do Desportivo, que venceu cinco jogos e empatou dois nos habituais amigáveis antes do começo das competições. Nesses jogos, Matheus Pereira, Jorginho, Jordán, Platiny e Domingos Duarte foram alguns dos reforços que mais agradaram ao público flaviense.
O começo calamitoso e as cabeças a prémio
O início de campeonato, porém, veio colocar todo o trabalho da equipa técnica em causa. Começou na difícil visita a Guimarães, onde o Chaves acabou por perder 3-2 numa exibição paupérrima a nível defensivo, algo que foi, infelizmente, habitual até ao último dia do mercado de verão. Logo na segunda jornada, recepção difícil ao tetracampeão Benfica que não teve vida fácil em Trás-os-Montes, mas conseguiu a vitória já para lá dos noventa, sendo uma “facada” forte na equipa flaviense.
Depois veio a ida a Setúbal e aí foi o descalabro. Durante 90 minutos mal se viu Chaves no Bonfim e as dezenas de adeptos flavienses nas bancadas suportaram uma das piores exibições desde o regresso à Primeira Liga debaixo do abrasador calor sadino. No final, primeiro ponto conquistado pelo Desportivo na temporada, fruto de um golo caído do céu de Pedro Tiba, com uma grande finalização, a dar injustiça ao resultado. E as exibições desastrosas culminaram com uma derrota ridícula em casa frente ao Feirense por 2-0, onde a defesa voltou a meter água por todos os lados.
No último dia de mercado, alguma coisa precisava de ser feita e os problemas eram óbvios: a lateral esquerda deixava um buraco enorme lá atrás que era facilmente explorado pelos adversários e a dupla Nuno André Coelho-Domingos Duarte não conseguia suster nada, com os dois centrais a ficar mal na fotografia por diversas vezes. Assim, a direção foi à procura de reforços e “estacionou” em dois nomes: Djavan, lateral esquerdo de qualidade mas “quebradiço” do Sp. Braga, e Nikola Maras, central sérvio desconhecido mas com boas indicações dos balcãs.
Os dois novos elementos do plantel estrearam-se com a camisola azul-grená em plena Estádio do Dragão, já depois do Chaves ter sido eliminado vergonhosamente da Taça da Liga por 3-1 frente ao Portimonense. Num jogo bem conseguido, os dois elementos mostraram ser apostas certas e que valiam o investimento. No final, porém, Maras comete penálti por um erro crasso quando o Desportivo estava à procura do empate e os locais acabam por aumentar a vantagem, culminando com um pesado 3-0 pouco depois.
A paciência dos adeptos começava a esgotar-se e a contestação dos sócios era grande e às más exibições e resultados juntava-se um aumento do preço das quotas decidido em AG no início da época, pelo que se começavam a pedir todas as cabeças e mais algumas por parte do público flaviense que esperava, depois de um regresso à Primeira Liga sólido e uma ida à meia-final da Taça, muitas mais razões para sorrir.
Desconfiança até novembro e invencibilidade até janeiro
E os sorrisos começaram a aparecer após a recepção ao Moreirense. Pela primeira vez desde o jogo frente ao Benfica, o Chaves voltou a aparecer no Municipal confiante e à procura da vitória, que conseguiria por uns claros 3-0 com golos de Tiba, Bressan e William. Na jornada seguinte, ida ao Estoril e nova vitória por 2-0, acabando um “borrego” de um ano sem vitórias fora de portas.
Após um empate caseiro contra o Tondela, que chegou a ficar com nove jogadores, o Chaves foi humilhado em Alvalade diante do Sporting por 5-1, na maior goleada sofrida desde o regresso à Primeira Liga. Desapontante e um indicador daquilo que seriam os jogos contra os estarolas esta época: um sufoco imenso. A culminar dois jogos seguidos fora de casa, deslocação a Braga para uma derrota desapontante por 1-0 contra os locais e o Chaves a entrar em novembro como o lanterna vermelha.
Após o jogo na Pedreira, o Chaves não perdeu mais na Primeira Liga em 2017, apesar da precoce eliminação da Taça de Portugal frente ao Santa Clara. Até à passagem de ano, o Desportivo bateu Paços de Ferreira, Belenenses e Portimonense, empatando contra Boavista e Rio Ave. Após o Réveillon, mais triunfos com a vitória categórica frente a um invencível Marítimo e um empate contra o Aves. Depois veio o Vitória SC…
Jogo do ano, 2ª volta fantástica e um herói improvável
No arranque 2ª volta da Primeira Liga, Chaves e Vitória SC encontraram-se no Municipal e dali saiu aquele que é, para muitos flavienses, o jogo do ano. O Desportivo começou a perder 0-2, conseguiu igualar, voltou a ficar em desvantagem e ainda antes do intervalo estabeleceu um fantástico empate 3-3 antes do regresso aos balneários. Valeu a pena pagar bilhete e depois de uma segunda parte com sinal mais flaviense, a história repetiu-se: penálti para lá dos 90 a favor do Chaves, Douglas mandou a farpa ao dizer “vou pegar de novo” e, com Tiba a bater, bola para um lado, guarda-redes para o outro. Triunfo fantástico que mostrou bem a garra da equipa.
Pelo meio, salientar a saída dos reforços de verão Rúben Ferreira, Anderson Conceição, Jordán e Foguinho, bem como de Massaia, Batatinha e Hamdou, sendo que o líbio perdeu o apoio dos adeptos depois de ter amuado no jogo frente ao Rio Ave, onde foi vaiado por ter falhado de forma infantil uma oportunidade na cara do guarda-redes no último minuto. Quanto a entradas, apenas duas: Stephen Eustáquio, do Leixões, e Hugo Basto do Arouca, que infelizmente não pôde jogar devido a um erro na inscrição do central. Esta limpeza de natal veio deixar nos mínimos o número de excedentários e jogadores descontentes, tornando o grupo muito mais coeso e unido.
Após uma derrota na Luz frente ao Benfica e um empate em casa contra o Vitória de Setúbal, o Chaves foi a Santa Maria da Feira jogar um encontro importante para manter os flaviense numa posição tranquila no campeonato. Após vantagem inicial por William, o Feirense empatou antes do intervalo e, já perto do 90 minutos um vilão-que-passou-a-herói Matheus Pereira colocou o Chaves em vantagem, confirmada após recurso ao VAR.
O extremo brasileiro, emprestado pelo Sporting, não teve vida fácil ao serviço dos Valentes Transmontanos, com muita contestação, fracas exibições e muita brincadeira na areia por parte de Matheus Pereira. Na primeira volta, poucos eram os adeptos do Chaves que o queriam ver à frente, mas a história começou a mudar aquando de uma partida de sexta à noite no estádio do Restelo, diante do Belenenses. Já à beira do intervalo, Matheus bateu um livre de forma irrepreensível e deu um triunfo importante a um Chaves, na altura, aflito. Desde então, passou a ser primeira escolha e foi conquistando o coração dos adeptos a cada jornada que passava.
Mas voltando à segunda volta, após a vitória contra o Feirense o Desportivo acabou goleado em casa pelo futuro campeão FC Porto por 0-4, mas conseguiu dar uma resposta à altura e conseguiu dois triunfos preciosos nas jornadas seguintes, diante do Moreirense (1-0) e Estoril (2-0), em jogos que praticamente garantiram a manutenção do Chaves. Sinalizar ainda a perda de sentidos de Matheus Pereira já perto do fim do jogo contra o Estoril, que levaram o extremo a ser ainda mais acarinhado pela massa adepta.
Porém, os resultados eclipsaram-se após o triunfo contra o Estoril. Primeiro uma derrota decepcionante contra o Tondela, depois desaires contra Sporting e Sp. Braga em casa, seguidos de uma derrota em Paços de Ferreira e um empate em casa contra o Belenenses. As boas exibições pareciam esfumar-se, mas uma recuperação colossal contra o Boavista no Bessa (a perder 3-1 a 10 minutos do fim, conseguiram empatar o jogo) voltou a dar alento aos adeptos e jogadores, o que muito contribuiu para uma fantástica vitória contra o Portimonense em casa por 2-1, colocando o Chaves na órbitra de um lugar europeu.
Depois veio a injustiça: derrota em Vila do Conde contra o Rio Ave por 2-1, com um golo mal anulado a Davidson, dois penáltis mal assinalados a favor dos locais e dois homens de ataque expulsos e suspensos até ao fim da época pelo árbitro Hugo Miguel que, desde então, tem um “alvo” nas costas colocado por todos os transmontanos. Mas este empurrão nas aspirações europeias da equipa de Luís Castro veio dar a moral para a equipa demolir os seus dois últimos adversários. Primeiro o Marítimo acabou goleado por 4-1 no Municipal, terminando aí a aspiração a um lugar europeu dos insulares, depois uma reviravolta incrível diante do Aves fora, com a equipa a conseguir, nos últimos 5 minutos, virar um resultado desfavorável de 2-1 para 2-3, fechando o campeonato com chave de ouro.
Nas contas finais, apesar de todos os altos e baixos, todas as contestações, críticas, más exibições e contratações falhadas, o Chaves conseguiu terminar 2017/18 com a melhor pontuação de sempre na Primeira Liga, com uma equipa que deixa todos os transmontanos orgulhosos, com cada jogador a ser amado pela massa adepta e com o treinador a ser o mais venerado dos últimos anos. Que 2018/19 seja ainda melhor!